terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Coisas com as quais se preocupar, carta de F. Scott Fitzgerald


Linda carta escrita por F. Scott Fitzgerald à sua filha Scottie, na época com 11 anos.
Tradução exclusiva Todo Ponto.

La Paix, Rodgers' Forge
Towson, Maryland

8 de Agosto de 1933

Minha querida:

Me interesso bastante pelo seu atual dever de casa. Você me daria um pouco mais informações sobre suas leituras em Francês? Eu fico contente por você estar feliz — mas eu nunca acreditei muito em felicidade. Eu também nunca acreditei em tristeza. Essas coisas você vê no palco, ou na tela, ou em folhas impressas, mas nunca acontecem realmente com você durante a vida.

As coisas que eu acredito nessa vida são as recompensas pelas suas virtudes (de acordo com seus talentos) e as punições por não cumprir seus deveres,  que são duplamente custosos. Se houver este volume na livraria do Acampamento, você poderia pedir à Mrs. Tyson para te deixar ver um soneto de Shakespeare, no qual ocorre o verso "O lírio, quando apodrece, exala cheiro pior que o de qual­quer outra flor".


Não tive nenhum pensamento no dia de hoje, a vida parece composta de acordar com uma história do Saturday Evening Post. Eu penso em você, sempre e de uma maneira agradável, mas se você me chamar de "Pappy" outra vez eu vou pegar o Gato Branco e bater nele com muita força, seis vezes pra cada vez que você for impertinente… Você reage a isso?

Eu pagarei a conta do acampamento.

Tolo, eu concluirei.

Coisas com as quais se preocupar:

Se preocupe com a coragem
Se preocupe com a limpeza
Se preocupe com a eficiência
Se preocupe com equitação
Se preocupe. . .

Coisas com as quais não se preocupar:

Não se preocupe com a opinião popular
Não se preocupe com bonecas
Não se preocupe com o passado
Não se preocupe com o futuro
Não se preocupe com crescer
Não se preocupe alguém estar a sua frente
Não se preocupe com triunfo
Não se preocupe com as falhas, a não ser que elas venham por sua própria culpa
Não se preocupe com mosquitos
Não se preocupe com moscas
Não se preocupe com insetos em geral
Não se preocupe com seus pais
Não se preocupe com garotos
Não se preocupe com decepções
Não se preocupe com prazeres
Não se preocupe com satisfações

Coisas para pensar: 

O que eu estou procurando exatamente?
O quão boa sou eu em comparação a meus contemporâneos com relação a:

(a) Escolaridade
(b) Eu realmente entendo as pessoas e sou capaz de me dar bem com elas?
(c) Eu estou tentando fazer de meu corpo um instrumento útil ou estou negligenciando-o?

Com o maior amor,

Daddy

P.S. A minha vingança por você me chamar de Pappy será batizar você da palavra Ovo, o que implica que você pertence a um estado de vida bastante rudimentar e eu poderia quebrar você e abrir você de acordo com minha vontade, e eu acho que seria uma palavra que pegaria se eu contar aos seus colegas. "Ovo Fitzgerald." Como você gostaria de passear pela sua vida com — "Ovinho Fitzgerald" ou "Ovo Estragado Fitzgerald" ou qualquer forma que possa ocorrer em mentes férteis? Tente novamente eu juro por Deus que eu vou colocar esse nome em você e só dependerá de você tirá-lo. Porque você gostaria de tamanha encrenca?

Amor incondicional.

sábado, 19 de janeiro de 2013

As cidades Invisíveis - Ítalo Calvino

Esse é um daqueles livros difíceis de escrever sobre.
Talvez porque o segredo não esteja tanto no enredo, mas sim na maestria discursiva do autor.
Sobre Le città invisibili, livro mais conhecido de Calvino, o autor disse:
"Se meu livro As cidades invisíveis continua sendo pra mim aquele em que penso haver dito mais coisas, será talvez porque tenha conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjeturas."
E é isso mesmo. É incrível como a descrição de uma cidade pode conter em si tanto simbolismo.
O livro gira em torno das descrições do viajante Marco Polo sobre as cidades que já visitou, a mando do imperador Kublai Khan, que a partir dos relatos deseja construir o império perfeito.
O enredo tem um viés histórico.
Marco Polo viajou durante 30 meses e chegou ao império de Kublai Khan (neto de Gengis Khan), onde atualmente fica Pequim, e lá permaneceu na corte por quase 20 anos.
Ítalo criou a obra imaginando relatos extraordinários do viajante ao imperador.
As 55 cidades descritas têm nome de mulher e aspectos de realismo fantástico (estilo que eu, pessoalmente,  amo).
São enredos de sonho, daqueles que a gente acorda, anota, e passa o dia tentando entender o que o nosso subconsciente tentou dizer com tantas curvas.
Ítalo vestiu suas experiências de curvas, tornou-as mulheres e cidades. E o mais incrível é que essas silhuetas se adaptam às nossas próprias lembranças.
É um livro para se ler devagar, mastigando cada palavra bem devagarzinho, pra ver se não escapa nenhuma cor.
Também é um livro para se ler mil vezes, um descanso de alma que só é entende quem tem paixão por poesia e por encontrar umas verdades aqui e ali, entre as esquinas de palavras e cruzamentos de linguagem.
O vídeo abaixo, As Cidades e o Desejo, anima o conto de uma das cidades, Zobaide. É um vídeo maravilhoso. Muito me espanta a pouca quantidade de views, mas isso já é outro conto.
Leitura essencial, obrigatória e - ah, muito! - deliciosa.


Anotação Randômica:
- Diogo Mainardi ser tradutor de um dos meus livros preferidos é uma mosca na minha sopa, viu...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O Duplo - Fiódor Dostoievski

Bom, falar de literatura russa não é fácil.
Principalmente quando você não está muito propenso a dizer que a leitura foi a sétima maravilha da humanidade (bem longe da minha experiência com esse livro).
Antes é bom salientar que é muito complicado falar sobre fluxo narrativo em traduções.
O Paulo Bezerra, tradutor dessa edição, tem feito um bem impagável ao traduzir Dostoievski para o português direto do russo. Antigamente essas traduções eram feitas a partir das versões em Francês, e não é preciso dizer o quanto do estilo se perde com essa sobreposição idiomática.
Mesmo assim, tenho uma certa dificuldade em me envolver com os russos, e sempre tive o azar de pegar livros com personagens (que eu considero) entediantes.
Paranóia é sempre legal, mas a paranóia do Goliadkin (personagem principal de O Duplo) não me fisgou. Achei - resumindo - chato. Mas tem fundamento.
Conscientes de que essa não é uma literatura for fun nem delicinha de ler (e não acho que livros têm essa obrigação), vamos ao enredo.
Goliadkin vive sua vida de papéis e relativa simplicidade: é funcionário do estado e possui verba suficiente pra viver e não ser miserável. Mas é completamente invisível e ridículo aos olhos das pessoas ao seu redor. Ninguém ama o Goli.
Pra piorar, não tem o mínimo carisma ou traquejo social que facilitariam bastante sua convivência em sociedade.
Aos poucos, observa um clone seu (mesmo nome, mesma aparência, mesmo tudo) vagarosamente tomando seu lugar.
No início, aceita, dá abrigo e tem até pena do Duplo, mas depois percebe que ele vai se convertendo em inimigo. O clone do coxinha começa a ganhar a estima das pessoas daquele meio e colocar o 'original' em situações complicadas, o que desagua num fluxo narrativo no qual não se sabe onde começa e termina a loucura de Goliadkin.
Personagem a ser notada: o servo de Goliadkin. Por muitas vezes, o burocrata perde o sono com medo de motins e revoltas vindas da classe mais baixa da qual o criado faz parte. Logo ele, que também não tem muito pato pra dar água. Estilo classe média sofre.
Também é legal notar que os valores sociais - vestimenta, trabalho, ostentação, politicagem - que Goliadkin tanto tenta dominar (fracassadamente) pra uma espécie de ascensão pessoal são tão vivos hoje quanto eram na era dourada da literatura russa, por volta de 1850.
O ponto forte do livro é a maneira que Goliadkin consegue ser notado numa sociedade cheia de nomes e convenções sociais bem definidas: a loucura.
Mas o quanto o livro se tornou cansativo em um dado momento reforça a minha tese de que prefiro literatura russa em contos. Doses homeopáticas.
Pra quem concorda, fica a dica do livro Contos Russos, uma seleção de contos do Rubem Braga com um time de tradutores bastante, digamos, autoral.
Pretendo falar desta seleção em um outro post, mas só por conter "O Capote" do Gógol, com tradução de Vinicius de Moraes (sim, ele mesmo) - conto ao qual Dostoievski atribui o nascimento literatura russa, já vale bastante.
Aliás, se você tiver um tempinho, procure ler "O Capote". É curto, interessante, sinistrinho tipo Poe, essencial pra entender a literatura russa e ao contrário de O Duplo, é indolor.

Anotações randômicas:
- Não diga que é o mesmo enredo da Usurpadora senão os fãs de literatura russa não vão te amar mais (experiência de vida);
- Os burocratas, funcionários de repartição, com seus rituais e paranoias, configuram a teoria literária dos "Coxinhovskis", sobre a extensa gama de protagonistas coxinhas que assombram os enredos russos;
- Te pegamos, Chico Buarque. Achei muito do fluxo narrativo da loucura de O Duplo em Leite Derramado;
- Quem não segrega não se diverte.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Ernest Hemingway - The Sun Also Rises (O Sol Também Se Levanta)

(antes, queria agradecer à Lori que me emprestou o livro após algumas conversas sobre hemingway, e também dizer que um dia eu devolvo, juro)

Já havia ouvido falar que se tratava de um livro bobo, onde as pessoas apenas bebiam e de alguma maneira tinham grana pra isso. Aquela coisa Manoel Carlos.
Blasfêmia.
O livro começa com uma frase de Gertrude Stein: "You are all a lost generation" (Vocês todos são uma geração perdida).
E assim ficou conhecida a geração de autores americanos vivendo em Paris no período pós Primeira Guerra, começo da Grande Depressão (turminha que ficou famosa por ser retratada no filme Meia Noite em Paris).
O enredo gira ao redor de duas personagens: Lady Brett e Jake Barnes.
Lady Brett é uma mulher linda e especialista em manter homens ao seu redor o tempo todo. Gosto muito da maneira que Hemingway tece a personagem. O mais legal? É descrita como uma mulher andrógina, de cabelos curtos e forte. Yet, "a damned fine-looking woman".
Um dos meus trechos favoritos é a descrição de Lady Brett andando pelo caos da fiesta caótica em Madrid, como se a festa fosse feita em sua homenagem. A narrativa esconde o estilo do autor no ritmo do andar de Lady Brett. Lindo.
É uma personagem apaixonante, mas muitas vezes odiada pela facilidade com que ilude, descarta e mantém os homens ao seu redor, conseguindo tudo o que quer deles, da maneira que lhe convém. Eu, particularmente, adoro. E também vai gostar quem gosta de um mal-feito. Lady Brett representa a tal "imoralidade feminina" em sua face mais adorável.
Jake Barnes é um rapaz educado, rico, inteligente. É ele a linha que segura o livro, que é cercado por personagens caóticas como Lady Brett e o judeu Robert Cohn. Todos alcólatras e precisando desesperadamente de um terapeuta.
Jake parece ser o único homem equilibrado, que todos confiam, e é o fio condutor do livro. Apesar de (também) apaixonado por Lady Brett, Jake tem um pequeno problema: um ferimento de guerra que o tornou impotente. E talvez por isso mesmo mantenha sua sanidade.
Razões pra amar o livro: uma heroína masculina, um herói impotente.
O enredo gira ao redor da viagem que as personagens, entediadas com a rotina de cafés e festas em Paris, decidem fazer até Madrid assistir as touradas e corridas de touros.
Um retrato divertido e melancólico da Lost Generation.

Anotações randômicas sobre o livro:
- Hemingway gosta tanto da palavra "swell" quanto Cole Porter (ou seja, muito);
- Razão pra amar: uma heroína masculina, um herói impotente;
- É.muito.vinho;
- Notei um pouco de anti-semitismo na descrição do Robert, mas talvez isso seja um vício da minha geração politicamente correta;
- Cerveja não resolve nossos problemas existenciais, mas ficar sóbrio também não;
- A Espanha é uma coisa meio bárbara;
- As touradas eram uma desculpa pra espanhol fazer uma festa de vários dias, tipo o Carnaval;
- Ser impotente é foda, mas te mantém nos eixos;
- A Lady Brett não desembolsa um centavo pra nada;
- Toureiros são gatos;
- Gertrude Stein estava certa, e Hemingway sabia muito bem disso.

Se você se interessa pela literatura em língua inglesa da época, é uma obra essencial por ser uma bonita e cruel auto-caricatura da glamourizada Lost Generation.

Um dedo de prosa.

Esse não é um blog de crítica literária, nem possui pretensões de verdade absoluta.
São impressões de uma leitora qualquer.
Sou uma leitora de banco de ônibus.
Uma leitora de canto de parque.
Sempre fiz anotações sobre os livros que leio, e respondia às sugestões de fazer delas um blog com um "quem sabe".
Pois finalmente, quem soube.
Acredito que cada leitura é uma experiência pessoal e você já deve saber que assim como não tem lei pro coração, não existe verdade absoluta sobre arte.
Então por fim, encarecidamente, não leve a sério minhas notas mentais sobre tantas aventuras que vivo entrelinhas.
Cada leitor é um co-autor e essas são minhas obras.
Fique à vontade.