quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Memórias de Minhas Putas Tristes - Gabriel García Márquez

A ideia inicial era fazer um texto pra publicar aqui sobre Cem Anos de Solidão, mas comecei várias vezes e não soube que caminho trilhar.
Não é tão fácil assim falar sobre seu livro favorito, que te acompanha há muitos e muitos anos.
Portanto, resolvi ir de García em uma das suas produções mais atuais e polêmicas, Memórias de Minhas Putas Tristes.
O enredo é um prato cheio pra patrulha do politicamente correto: um jornalista/crítico musical (veja bem, crítico musical), ao fazer noventa anos, resolve negociar como presente para si mesmo uma noite de amor com uma adolescente virgem. Pra isso, procura Rosa Cabarcas, cafetina conhecida na cidade, que sempre avisava de suas "novidades", aos clientes assíduos, entre eles, o velhote.
Não preciso dizer que é um livro um pouco sensível aos corações mais feministas, dada a maneira que a moça, de 14 anos, é sondada e negociada.
Mas talvez não tenha alcançando muita voz de protesto pelo peso e maestria do nome Gabriel García Márquez, além da maneira com que a noite de sexo nunca é consumada de fato.
Sobre o protagonista/narrador, encontramos um homem que sempre evitou o amor ao máximo. Conta em suas memórias que havia, inclusive, abandonado uma noiva no altar. E também que nunca dormiu com uma mulher sem pagar por ela.
Até então, aos meus olhos, uma personagem não muito fascinante nem carismática.
Mas há o momento surpresa, que é quando constata: "O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança".
O leitor nesse momento percebe que ali existe um coração, embora enrugado.
Feita a negociação, o velho jornalista se vê numa cama ao lado de Delgadina, adolescente de 14 anos que dorme, como uma bela adormecida esperando seu príncipe caidão.
O problema é que ele não tem coragem de acordá-la e, aos 90 anos, acaba se apaixonando por uma mulher que apenas, dorme. Talvez a conquista mais fácil da história da literatura.
Como todo enredo de Márquez, é possível apenas ler a história ao pé da letra. Mas como todo autor da classe gênia, não existe ponto sem nó, nem metáfora desintencional.
O que diferencia Gabriel do resto é que ele não parte da pretensão de criar uma moral da história, apenas fornece o convite a pensarmos nas seguintes questões:
Porque ele não a acorda? O que representa essa mulher adormecida? E se ele a acordasse?
Aos 90 anos, quantos amores dormindo este senhor não deixou de acordar? E você?
Sim, é a história de um homem incapaz de amar. E que, mesmo apaixonado, não tem a coragem de trazer à vida esse sopro de juventude.
Se é um livro sobre esperança ou sobre a falta dela, cabe apenas ao leitor identificar.

Anotações randômicas:
- O livro, não só pelo enredo, vale pelas pastilhas de epifania literária típicas de Gabriel: "tragar as lágrimas", "senti na garganta o nó górdio de todos os amores que poderiam ter sido e não foram", e por aí vai. Quem já leu Cem Anos sabe bem.
- Muitas pessoas se sentiram esperançosas e leram no livro uma mensagem de "nunca é tarde para amar". Eu li o contrário. Talvez isso denuncie meu coração gelado. Pra mim era tarde sim, e ele sabia muito bem disso. Mas não existe interpretação correta.
- Como disse um amigo, quem mais poderia tornar bonito o encontro de um Charlie Sheen colombiano nonagenário com uma sofrida virgem de 14 anos, além do Gabbo?