quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O Duplo - Fiódor Dostoievski

Bom, falar de literatura russa não é fácil.
Principalmente quando você não está muito propenso a dizer que a leitura foi a sétima maravilha da humanidade (bem longe da minha experiência com esse livro).
Antes é bom salientar que é muito complicado falar sobre fluxo narrativo em traduções.
O Paulo Bezerra, tradutor dessa edição, tem feito um bem impagável ao traduzir Dostoievski para o português direto do russo. Antigamente essas traduções eram feitas a partir das versões em Francês, e não é preciso dizer o quanto do estilo se perde com essa sobreposição idiomática.
Mesmo assim, tenho uma certa dificuldade em me envolver com os russos, e sempre tive o azar de pegar livros com personagens (que eu considero) entediantes.
Paranóia é sempre legal, mas a paranóia do Goliadkin (personagem principal de O Duplo) não me fisgou. Achei - resumindo - chato. Mas tem fundamento.
Conscientes de que essa não é uma literatura for fun nem delicinha de ler (e não acho que livros têm essa obrigação), vamos ao enredo.
Goliadkin vive sua vida de papéis e relativa simplicidade: é funcionário do estado e possui verba suficiente pra viver e não ser miserável. Mas é completamente invisível e ridículo aos olhos das pessoas ao seu redor. Ninguém ama o Goli.
Pra piorar, não tem o mínimo carisma ou traquejo social que facilitariam bastante sua convivência em sociedade.
Aos poucos, observa um clone seu (mesmo nome, mesma aparência, mesmo tudo) vagarosamente tomando seu lugar.
No início, aceita, dá abrigo e tem até pena do Duplo, mas depois percebe que ele vai se convertendo em inimigo. O clone do coxinha começa a ganhar a estima das pessoas daquele meio e colocar o 'original' em situações complicadas, o que desagua num fluxo narrativo no qual não se sabe onde começa e termina a loucura de Goliadkin.
Personagem a ser notada: o servo de Goliadkin. Por muitas vezes, o burocrata perde o sono com medo de motins e revoltas vindas da classe mais baixa da qual o criado faz parte. Logo ele, que também não tem muito pato pra dar água. Estilo classe média sofre.
Também é legal notar que os valores sociais - vestimenta, trabalho, ostentação, politicagem - que Goliadkin tanto tenta dominar (fracassadamente) pra uma espécie de ascensão pessoal são tão vivos hoje quanto eram na era dourada da literatura russa, por volta de 1850.
O ponto forte do livro é a maneira que Goliadkin consegue ser notado numa sociedade cheia de nomes e convenções sociais bem definidas: a loucura.
Mas o quanto o livro se tornou cansativo em um dado momento reforça a minha tese de que prefiro literatura russa em contos. Doses homeopáticas.
Pra quem concorda, fica a dica do livro Contos Russos, uma seleção de contos do Rubem Braga com um time de tradutores bastante, digamos, autoral.
Pretendo falar desta seleção em um outro post, mas só por conter "O Capote" do Gógol, com tradução de Vinicius de Moraes (sim, ele mesmo) - conto ao qual Dostoievski atribui o nascimento literatura russa, já vale bastante.
Aliás, se você tiver um tempinho, procure ler "O Capote". É curto, interessante, sinistrinho tipo Poe, essencial pra entender a literatura russa e ao contrário de O Duplo, é indolor.

Anotações randômicas:
- Não diga que é o mesmo enredo da Usurpadora senão os fãs de literatura russa não vão te amar mais (experiência de vida);
- Os burocratas, funcionários de repartição, com seus rituais e paranoias, configuram a teoria literária dos "Coxinhovskis", sobre a extensa gama de protagonistas coxinhas que assombram os enredos russos;
- Te pegamos, Chico Buarque. Achei muito do fluxo narrativo da loucura de O Duplo em Leite Derramado;
- Quem não segrega não se diverte.

4 comentários:

jo disse...

Adorei as anotações randômicas.
Mas parece meio chato mesmo.

léo disse...

A melhor parte são os comentários randômicos!

Caroline_Silas disse...

Adoro os russos mesmo que em sua totalidade se Comportem,como montanha russa.Aproveito para lhe felicitar pelo espaço e deixo um livro que ganhei recentemente da Editora 34

Nova antologia do conto russo (1792-1998)

Tradução de Boris Schnaiderman e outros
Organização de Bruno Barretto Gomide
Coleção Leste

Caroline_Silas disse...

(na verdade indico um livro)